quarta-feira, 25 de março de 2020


Olha se não me avisavam!

Desenho de Danielle-Mae Duran (Beijinho)
O Jaquim, da minha terra, andava tristonho…
Confessou a um vizinho que lhe tinham dito que a Esperança era a Última a morrer:
- Ando mesmo triste Manel…
- Porquê, Jaquim? – perguntou o Manel.
- Porque a minha Sogra se chama Esperança… Vê lá tu a desdita!
- Ó Jaquim. Não é nada disso. Olha que a última a morrer é a ideia…
A luz voltou a brilhar no olhar curvo do Jaquim.
Isto me confessou ele próprio, quando me procurou para receber cuidados a uma ferida para implante de um pacemaker.
- Senhor enfermeiro, senti-me mal, fui para o Hospital da Cidade Grande, os Doutores botaram-me uma pilha no coração, dizem que isto tem validade para mais de 20 anos. Tenho 92… Veja lá o que eles foram fazer!
Ri, com ele, e talvez ele de mim e eu de mim próprio. Mas aprecio uma boa gargalhada.
Tratei a ferida. Reagendei o momento e ia despedir-me cordialmente, com um aperto de mão. (Que estranho, já foi no tempo em que se apertava as mãos às pessoas). Mas o Jaquim, sacou de um migalho de papel que trazia dobrado no bolso, desdobrou-o com delicadeza, pendurou as cangalhas na ponta do nariz e, seguindo com o dedo como se quisesse ensinar-me a ler, prosseguiu:
- Eles deram-me estas instruções. Diz aqui para não fazer isto, não fazer aquilo… E sabe, aqui mais abaixo, - apontou -  diz para eu não ter relações sexuais durante um mês! Já viu Senhor enfermeiro. Olhe se eles não me avisavam! A tragédia que podia acontecer… - E repetiu. – Olhe se eles não me avisavam…

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