domingo, 3 de maio de 2020


Cuidado!

O Jaquim, da minha terra, foi ao baile da paróquia. A água estava fresca, os refrigerantes não lhe fazem bem à diabetes… Resolveu-se mesmo com a vinhaça.

E tão resolvido se resolveu que se emborrachou… só um pouquito. Deve ter sido o último copo, porque os anteriores não fizeram nada daquilo.

Tomou o caminho de casa, um pouco cambaleante. A estrada teimava em desacertar com os passos dele. Pensou para consigo que deveria ser da vasilha meio cheia, meio vazia… fazia adornar a carga.
Eis que repentinamente lhe deu uma aflição na bexiga e, não vendo melhor local, começou, logo ali, a mudar a água das azeitonas.

Por pouca sorte, passava, por ali uma beata (também ela ébria, mas de fel, que houvera bebido em algum sermão do padre Inácio).
Desenho do Memphis

A carrancuda beata, virando a cara, com um olho aberto e o outro fechado (pensando para si se ficar ceguinha é só de um dos olhos), resmungou profunda:

- Eh! Grande animal!

O Jaquim, cambaleou, respirou fundo, e disse solene:

- Passe, minha senhora. Passe à vontade. Não tenha medo que eu estou a segurá-lo com as duas mãos

quinta-feira, 30 de abril de 2020


O Senhor “Bento”



Desenho de Paula Marques (Obrigado)
Consta que numa família fina, de gente farta e fingida, a Senhora Dona Constança (que nosso senhor lhe tenha lá em sossego a pança), tinha um amante de graça Bento. Shshshsh!!! Que é segredo…


Um certo dia de vento, em que tudo varria de alvoroço, como se de castigo divino se tratasse, assobiavam as janelas, batiam as portas como tontas e apagavam-se a velas, a Senhora Dona Constança (que nosso senhor lhe tenha lá em sossego a pança), perguntou à criada Gertruda:

- Truda, diz tu, que barulho é este, que castigo me estará deus nosso senhor a dar?

Respondeu prontamente a Gertruda:

- É o bento minha Senhora, é o bento… Mas fique Vossência sossegada que é o bento que abana as portas, não é o Bento que “F” abana a senhora.

terça-feira, 21 de abril de 2020


Um doido Varrido

Para quem não sabe, o que possa ser mais provável encontrar sob um singelo tapete de um manicómio (diga-se, plenos foles, que a mesma coisa que em qualquer das nossas casas ou do nosso próprio templo interior), fiquem sabendo que nem mais nem menos que:
- Sim! Um doido varrido.
Cortesia de um Amigo (Obrigado)
Foi disso que, o Jaquim, da minha terra, foi encontrar a esmo, quando por lá passou (pelo manicómio!). Encontrou ele, pois, desde doidos varridos a doidos menos doidos, a doidos engenhosos e até doidos com cheiro apurado, como aquele que corria pelos corredores enfiando o dedo no “fiofó” (no cu para quem não perceber), e gritava em altos brados:
- Senhor doutor, estou podre, senhor doutor… Estou completamente podre!
Foi assim que, o Jaquim, conheceu a história magna de um certo tolo que tinha a mania de caçar passaritos com uma fisga… Ora vejam lá a quantidade de gente que anda por aí a caçar pássaros e fêmeas, e ninguém os interna!!! Vejam lá…
Pois, esse inveterado, a cada vez que a reinserção o abeirava, tentava de sua sorte vencer os muros do redil onde o tinham misturado com insanos profissionais do “psiquiatrismo”.
- Então pá, se te deixarmos sair o que farás da tua vida?
- Vou trabalhar, ganhar dinheiro…
- E que mais?
- Depois compro elásticos e faço uma fisga, para ir aos pássaros…
- Não, ainda não estás curado, volta para dentro.
Nova tentativa e muitas outras e histórias semelhantes, e o sujeito afinou o discurso:
- Se me deixarem sair, vou trabalhar, depois arranjo namorada, depois caso-me.
- Muito bem, vejo que estás no bom caminho. E filhos, vais querer ter filhos?
- Não. Na noite de núpcias, tiro as cuecas da gaja, fujo com elas, e com os elásticos faço uma fisga e vou aos pássaros…

terça-feira, 7 de abril de 2020


Come e cala…

O Jaquim, da minha terra, entrou em casa, calcúrreos pendurados ao pescoço (descalço como gostava, para sentir melhor a terra, às vezes também um tojo afiado e outras o dedo estoirado na raiz de pinheiro), atira a sacola, com a pedra de ardósia (já quebrada) e o livro de leitura, e emburra a um canto.

Desenho de Susana Dias (Beijinhos)

- Que tens Jaquim? – demandou o pai.

- É a senhora “prebessora” que todos os dias quer saber o que foi o meu “cumer” do dia anterior.

- E tu, meu filho, que lhe tens dito?

- Eu mê pai, não lhe minto, digo-lhe que comi caldo. E ela “resinga” comigo. Sempre caldo, sempre caldo… E o pior é que os “oitros” meninos se riem de mim.

- Olha filho, talvez ela se ria porque nunca provou o caldo que a tua mãe faz, com tudo aqui criado, na nossa horta, estrumado com o mato das matosinhas. Mas diz-lhe, amanhã, que hoje a ceia foi lagosta.

Dia seguinte lá vai o Jaquim, cheio de vontade de aprender, para a escola.

- Então Jaquim, o que comeste tu ontem? – perguntou a professora (pergunta desnecessária ao que sabemos).

- Ontem senhora “prebessora”, ontem enfardei lagosta.

- Lagosta Jaquim. Sim senhor! E comeste muito?

- Comi sim, minha senhora, duas malgas.

sábado, 4 de abril de 2020



E o Cheiro?


Ilustração de Danille-Mae (Beijinhos)
O Jaquim, da minha terra, rapaz, sem tempo, da idade dos rapazes da sua idade, era moço pouco dado a banhos e outros mimos de cuidado hirsuto.
Imundo e grosso descia com regularidade ao povoado, para lavar a alma por dentro, na taberna do latoeiro. Ainda assim pouca água e essencialmente ardente.
Vinha sempre na solitária companhia de um farto enxame de moscas da merda, que o gravitavam qual núcleo atómico radioactivo do mais charmoso fedor.
Consta que, o Jaquim, vivia confortável, num (modernamente conhecido como T zero), com vista para a estrumeira exterior, três por quatro, minimalista. Uma manjedoira para o Bode Jasmim e outra para ele, da qual fazia majestoso divã. Por outro palavrear, num curral.
Um dia, entre dois dedais de bagaço, para afugentar a pulga, amolentar a carrapata e fumigar a melga, os amigos perguntaram-lhe em fundo de gargalhada:
- Ó Jaquim, vives lá com um Bode, num curral? É verdade?
O Jaquim acenou orgulhoso, afagando o cabelo e a barba, com o cebo de mais de 30 anos: - Pois…
- Então e o Cheiro Jaquim? – Perguntou o Cocas.
- O Cheiro? (Intrigou-se o Jaquim, coçando a pança), acho que o Animal já se habituou!!!

quarta-feira, 25 de março de 2020


Olha se não me avisavam!

Desenho de Danielle-Mae Duran (Beijinho)
O Jaquim, da minha terra, andava tristonho…
Confessou a um vizinho que lhe tinham dito que a Esperança era a Última a morrer:
- Ando mesmo triste Manel…
- Porquê, Jaquim? – perguntou o Manel.
- Porque a minha Sogra se chama Esperança… Vê lá tu a desdita!
- Ó Jaquim. Não é nada disso. Olha que a última a morrer é a ideia…
A luz voltou a brilhar no olhar curvo do Jaquim.
Isto me confessou ele próprio, quando me procurou para receber cuidados a uma ferida para implante de um pacemaker.
- Senhor enfermeiro, senti-me mal, fui para o Hospital da Cidade Grande, os Doutores botaram-me uma pilha no coração, dizem que isto tem validade para mais de 20 anos. Tenho 92… Veja lá o que eles foram fazer!
Ri, com ele, e talvez ele de mim e eu de mim próprio. Mas aprecio uma boa gargalhada.
Tratei a ferida. Reagendei o momento e ia despedir-me cordialmente, com um aperto de mão. (Que estranho, já foi no tempo em que se apertava as mãos às pessoas). Mas o Jaquim, sacou de um migalho de papel que trazia dobrado no bolso, desdobrou-o com delicadeza, pendurou as cangalhas na ponta do nariz e, seguindo com o dedo como se quisesse ensinar-me a ler, prosseguiu:
- Eles deram-me estas instruções. Diz aqui para não fazer isto, não fazer aquilo… E sabe, aqui mais abaixo, - apontou -  diz para eu não ter relações sexuais durante um mês! Já viu Senhor enfermeiro. Olhe se eles não me avisavam! A tragédia que podia acontecer… - E repetiu. – Olhe se eles não me avisavam…

sexta-feira, 20 de março de 2020




Coisas da idade…

Entrei na taberna do latoeiro. A algazarra era ondejante, como olas num estádio.

O Jaquim no meio da sala, caneta, de escrever para o futuro, em punho.

Eu tinha conhecido este feito heróico ao Jaquim, há mais de 30 anos. Ele partia nozes com a dita caneta de escrever para o futuro (e ele tinha, com essa mesma caneta, escrito uma boa meia dúzia de filhos, por aqui e por ali).

30 anos passaram, Jaquim voltou das estranjas e não resistiu ao pedido de uns amigos. Mas, para espanto meu, em cima do banquito de madeira onde o Jaquim partia as tais nozes, repousavam agora dois Cocos (dois valentes Cocos de coqueiro). E o Jaquim não se fez rogado. Espeta uma pancada certeira e surda em cada coco que, de imediato, se renderam em metades. O bruaá alongou-se de canto a canto, sem lágrimas e sem pranto… dassss-se!!!!
Ilustração de Paula Marques (Obrigado)

Intervim:
- Jaquim, voltaste? E com mais pujança ainda? Como se explica tal façanha? E nem te doeu a caneta!!

Respondeu-me o Jaquim, por cima dos óculos (mas também por cima da burra):

- Sabes, a idade não perdoa… Já não vejo como via dantes, tenho dificuldade em acertar nas nozes…

domingo, 15 de março de 2020


Eu não sei o que foi que foi que me deu.
Foi Feitiço o que me aconteceu…

Ilustração de Paula Marques (Obrigado)

Fui, certo dia, encontrar o Jaquim, da minha terra, com um braço ao peito, uma perna às costas e um olho azul Belenenses, tamanho que nem repolho.

- Que te sobreveio Jaquim? – Perguntei.
Respondeu-me triunfante, entre voz segredada, como um valente cuidadoso:

Ontem ouvi dizer, sobre a coragem e a valentia que:
Corajosos e valentes não são os homens que vão para a guerra. Corajosos e Valentes não são os caçadores de feras. Corajosos e valentes não são os governantes nem os mercenários (aqui misturados por puro e mero acaso).
Corajosos e valentes, Jaquimzito, são os homens casados que, saem à noite, e quando a esposa doce e dedicada, pelas três da madrugada (bem cedo), os espera, à porta de casa, com a vassoura na mão, eles aprumam o cambalear ligeiro e perguntam:

- Então, mulher, vais varrer ou vais voar?

- Eu fui um desses corajosos. – Segredou-me o Jaquim (cheio de dores).

quinta-feira, 12 de março de 2020


Nem tanto!

O Jaquim, da minha terra, lá onde o sol manda nas pedras frias e a lua as mima no escuro da noite, trabalhava à jorna, para patrão generoso e justo.
O Jaquim cavava, o Jaquim semeava, o Jaquim colhia… Pouco reclamava, pouco comia…
Era um Jaquinzinho económico para a economia…
Certo dia, quando sol abrasava, andava o Jaquim lançando à terra, sua madrasta, grãos de trigo, enquanto patrão, suores de alambique de tanto incentivar a labuta, olhava turvo o campo e nele a sombra pálida do Jaquim.
O Jaquim. Cortesia de Paula Marques (Muito Obrigado)
- Jaquim, meu rapaz, temos que aumentar a tua eficiência laboral!
- Diga meu amo, diga… (respondeu o Jaquim, prontamente e pedindo ao patrão desculpa por estar a ser abusado e ainda assim permanecer de costas).
- Jaquim. Se no mesmo compasso com que semeias com a mão direita também adubares com a mão esquerda, ganhas tempo (e eu dinheiro).
Assim aceitou o submisso Jaquim. Semeava com uma e adubava com a outra. Nada tardou até estar a semear com uma, adubar com a outra, e cobrir a semente com um pé e alisar a terra com o outro… A Máquina tornou-se eficientíssima. Mas o Jaquim cada vez chegava menos eficaz a casa.
Estava o Patrão do Jaquim pouco preocupado com o Princípio de Gestão que diz que não há quantidade de eficiência que justifique a perda de eficácia. A eficiência corria a seu favor… A eficácia doméstica do manso Jaquim era um problema dele…
Quando, no tarde entardecer das mansas horas da melancolia, um dia o Jaquim entrou… cansado e rastejante, em casa, deparou-se com cenário anunciado. A Maria tinha arranjado solução de vizinho para a falta de eficácia do Jaquim.
- Jaquim! Isto não é o que tu julgas… calma!!! (suplicou a Maria aos Gritos).
- SSSSShhhhh (suplicou o Jaquim). Não digam nada a ninguém. Se o meu patrão sabe, pendura-me um lampião em cada corno e pede-me para trabalhar durante a noite….

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

Prairas?


Sim, boa pergunta. O que quer dizer prairas?

Pois não sei.
O que conheço é um lugar, pertencente à freguesia de Lagos da Beira e Lajeosa (próximo de um povoado com o nome de Chamusca da Beira), onde existia uma antiga Padaria. A Padaria das Prairas.

O que isto pode ter de engraçado é uma estória que minha avó contava.

           Havia, por ali, um célebre gato malhado e gatuno que, sistemática e exasperantemente, roubava pão ao padeiro.

Cortesia de um Amigo
Um certo dia, apareceu o pobre bichano, com ar de bem morto, pendurado num mastro, com pregão e baraço:
Eu sou o gato do João dos Vais,
E esta noite andei a trote.
Por causa de dez Reis de pão,
Deram-me cabo do fagote.








A linguagem é uma fonte de mal entendidos...


Um grupo de meliantes preparava, minuciosamente, o assalto a um banco.

O Chefe da farândola explicou, cuidadosamente, o plano:

- Às 10 horas chegamos ao banco. Às 10 e 5 entramos no banco de arma em punho. Às 10 e 10 saímos com o dinheiro, cada um por ruas diferentes. Às 11 horas encontrar-nos-emos no local combinado.

Virando-se para todos perguntou:

- Entenderam?

Todos responderam:

- Entendemos.

- Então repitam. (pediu o chefe)

Ao que todos responderam prontamente:

- Entendemos!!!